Ainda sobre Eclesiates

Se você leu o último texto escrito por mim aqui no blog¹, pôde perceber um pouco da admiração que tenho pelo livro de Eclesiastes, como entender o livro e algumas belíssimas lições que ele nos oferece. Nós vimos que muitos, sem o correto entendimento, tendem a classificá-lo como pessimista, a partir de várias passagens. E até entendemos porque estas pessoas têm esta concepção, quando nos deparamos com versos como os seguintes (7.1-4):

“Melhor é a boa fama do que o unguento precioso, e o dia da morte, melhor do que o dia do nascimento. Melhor é ir na casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração. Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração. O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria.”

Provavelmente não usaríamos este texto em um discurso de aniversário de um amigo. Mas como observamos, devemos ler o livro tendo em mente que seu propósito é comprovar que a vida vista do ponto de vista unicamente humano leva à frustração e ao pessimismo, e que a esperança para uma existência plena encontra-se na obediência a Deus. D. L. Moody explicou que “toda a existência humana, quando vivida longe de Deus, é frustrante e insatisfatória. Todos os prazeres e coisas materiais dessa vida, quando buscadas por causa delas mesmas, nada produzem a não ser a infelicidade e um senso de futilidade.” Então, o que o Pregador queria nos dizer nos versos acima expostos? Tão somente que “embora seja uma maldição sobre a humanidade (Gn 2.17) e nosso último inimigo (1Co 15.26), a morte é melhor do que o nascimento no sentido de que ela é a libertação da vaidade do mundo caído e deixa os crentes um passo mais próximo da ressurreição da morte e da vida no novo céu e na nova terra.”² Quando lemos desta forma, podemos passar da frustração ao consolo em poucos segundos, uma vez que compreendemos que mesmo em meio aos dilemas da vida, sabemos que há um Deus nos céus, no qual podemos confiar.

Vimos que nos versos 24 e 25 do segundo capítulo, o autor nos oferece alguns direcionamentos sobre como vivermos. No capítulo nove esses conselhos são estendidos. Ele começa o capítulo abordando o fato de que a sorte parece ser a mesma para justos e perversos; sobre como tudo está oculto ao homem e que ele não sabe o que lhe sobrevirá debaixo do sol, se amor ou se ódio. Ou seja, você pode ser justo e praticar o bem e, mesmo assim, ser odiado; ou ser injusto, com intenções más e egoístas em seu coração, e ser amado por muitos. Isto não cabe ao homem controlar. Por isso, o Pregador aconselha (9.7-10):

Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe gostosamente o teu vinho, pois Deus já de antemão se agrada das tuas obras. Em todo tempo sejam alvas as tuas vestes, e jamais falte o óleo sobre a tua cabeça. Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de tua vida fugaz, os quais Deus te deu debaixo do sol; porque esta é a tua porção nesta vida pelo trabalho com que te afadigaste debaixo do sol. Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além, para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.”

O Rev. Davi Charles Gomes resume esta passagem da seguinte forma: “Como é que eu vivo? Eu vivo aproveitando as bençãos que Deus me deu, as bençãos concretas, mesmo que pequenas da vida; sem a ansiedade de achar que eu vou resolver alguma coisa, livre daquilo! Eu vivo essas pequenas bençãos e as grandes bençãos. Eu me alegro na comida e na bebida. Eu busco uma vida de pureza porque isso é a consequência de uma pessoa que sabe que Deus já se agradou dela. E eu me esforço, não com um esforço humano, mas em ter um coração em cima do qual nunca falte o óleo da unção para trabalhar pros outros. E aí eu vivo intensamente cada dia que volto do trabalho, porque eu sei que me espera em casa a minha esposa, a minha recompensa pelos labores com os quais eu luto dia a dia debaixo do sol.”³

Essa é a maneira que o sábio nos ensina a viver a vida! De forma intensa, fazendo tudo que nos vier à mão; mas de forma tranquila e sem ansiedade, fazendo-o conforme às nossas forças. Os reformados têm muita estima pela doutrina da soberania de Deus, e, de fato, ela pode ser um grande conforto nos momentos difíceis da vida. Nem sempre temos todas as respostas ou sabemos o porquê de tudo que acontece ao nosso redor, mas confiamos em um Deus que, através de Cristo, já se agrada das nossas obras e falou que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que o amam. Nesse Deus, que controla todas as coisas com extrema destreza, está a nossa esperança.

Por motivos óbvios, não podemos esgotar todos os ensinos e lições que o Pregador nos instrui no livro em um ou dois textos, mas ao seu fim ele resume todo o livro em dois versos (12.13,14): “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem. Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más.”

Comentando estes versos, Moody diz: “O fundamento da vida é o temor a Deus, isto é, reverência, um devido reconhecimento de quem Ele é e do que Ele exige dos homens no quotidiano da vida. […] Na realidade o autor não diz nada mais nestes últimos versículos além do que disse em todo o livro – desfrute da vida enquanto pode. Isto só pode ser feito temendo a Deus; pois Deus está no controle e dEle se espera que recompense a justiça e castigue o mal.”

Este texto me lembra o próprio Cristo em Jo 14.15, onde ele diz: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos.” A partir da leitura destes versos, parece ser muito simples viver a vida. Devemos nos ater apenas ao temor de Deus e à observância de seus mandamentos. Mas a verdade é que isto envolve todas as áreas da vida do cristão e somos chamados a nos esmerar em crescer em santidade, piedade e pureza. Mas isto não é um fardo, é uma dádiva já que temos um Deus que se agrada de nós e nos concede a oportunidade de viver uma vida para sua glória, desfrutando o máximo possível e alegrando-se nele, até o dia em que deixaremos esse mundo de vaidades e com ele nos encontraremos. Alegremo-nos nesses dias da nossa juventude, mesmo sabendo que viveremos dias também de trevas (11.8-12.8), mas sempre sossegados, confiando no nosso zeloso redentor.

Que Ele nos ajude nesse processo.

Tentando viver uma vida simples, alegre e intensa; na espera daquele grande dia,

Gustavo Buriti.

https://www.facebook.com/gustavo.buriti.1

¹https://cristaoscontraomundo.wordpress.com/2015/03/18/tudo-e-vaidade/

²Comentário da Bíblia de Estudo de Genebra.

³Extraído de: http://ump-da-quarta.blogspot.com.br/2013/04/ump-indica-como-entao-viveremos-davi.html. Para uma melhor compreensão destes versos do nono capítulo, recomendo fortemente este sermão do Davi Charles Gomes.

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