RAZÃO E SENTIDO

HAMLET

Irmãos, hoje pensaremos com cautela sobre dois importantes capítulos da existência humana: o lugar da razão e o tesouro do sentido. Para tanto, tomaremos como base um trecho bíblico conhecido, trazendo à tona elementos que o associem a conceitos biblicamente adequados a este tema proposto. Encontra-se no livro de Atos dos Apóstolos, escrito por Lucas, e é parte do emblemático discurso de Paulo no areópago de Atenas.

“O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens; Nem tampouco é servido por mãos de homens, como que necessitando de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas; E de um só sangue fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua habitação; Para que buscassem ao Senhor, se porventura, tateando, o pudessem achar; ainda que não está longe de cada um de nós; Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração.” (Atos 17: 24-28)

 CONTEXTO:

O versículo 22 deste mesmo capítulo é quem nos evidencia que Paulo buscou especificamente o letrado, mas idólatra, povo de Atenas para tentar inserir o nome de Cristo em meio às discussões filosóficas que aconteciam ali. O discurso é apaixonado, fruto da revolta do apóstolo diante do cenário completamente nocivo e alheio ao cristianismo; mas mantém-se coeso e sóbrio, diante da infalibilidade do Deus de Paulo, bem como o prévio conhecimento científico e cultural que Paulo detinha acerca da cultura grega.

Paulo, por sua vez, chegou até aquele areópago após custosa viagem, na qual ora foi perseguido, ora aceito e acolhido. Paulo pregava a mesma mensagem em seu percurso.

Felizmente, o aprendiz de Gamaliel pôde lançar mão do conhecimento específico sobre três homens, três artistas, conhecidos e reconhecidos pela comunidade filosófica, artística e teológica local. Paulo conhecia o cretense Epimênides; como havia lido “Phaenomena”, de Arato; e “Hino a Zeus”, de Cleanto. Ele inicia seu discurso da maneira mais sólida, declarando abertamente para quem falava. Não como alguém que fala em entrelinhas, esperando que todos entendam a mensagem e se identifiquem com ela. Paulo dirige voluntariamente o seu discurso. Entretanto, uma vez identificados os destinatários da mensagem, Paulo lança mão de paráfrases dos referidos autores. Ora, se Paulo declara que aquela comunidade deveria dar atenção às palavras que ele iria proferir, em suas paráfrases ele evidencia que, antes, foi atento às palavras daquele povo, pondo-as à prova. Fato que poderia acontecer agora, em via reversa.

A paráfrase utilizada por Paulo neste trecho culmina, ainda, na doxolgia em relação ao Deus Cristão. Epimênides, por exemplo, foi um poeta, natural de Cnossos, na ilha de Creta, que desafiou a filosofia da época afirmando acreditar num Deus único, mas ainda precisando conhecer mais profundamente quem era este Deus. À época, o gnosticismo não era a única heresia circulante na comunidade filosófica e teológica da Grécia, os estoicos e epicureus, não figuravam isoladamente, apesar destas vias de pensamento terem ganho mais força que outras e inspirado correntes filosóficas que reverberam até hoje, como o panteísmo de Espinoza, que angariou ninguém menos que Albert Einstein como “discípulo”.

O fato é que, sendo o areópago um lugar de densidade de discussões e diversidade de pensamentos independentes, a postura de Paulo em não esconder o vocativo, o que reúne todos aqueles pensadores dentro de uma mesma plateia, enquadra-se como algo ainda mais imponente na medida em que ele se utiliza do conhecimento sobre a comunidade e a cultura local para se referir ao Deus trino, sobre quem pregava em outras culturas e em diferentes condições sem adequar o conteúdo de sua mensagem. Diante de uma mesma mensagem, inclusive dentro de uma mesma plateia, Paulo obteve diferentes respostas quanto à aceitação do Cristianismo.

 

A MENSAGEM:

O cunho desta mensagem é iminentemente descritivo. Apesar de se utilizar de aspectos muito práticos quanto ao pensamento e amplamente aplicáveis à vida cotidiana dos atenienses, Paulo não exprime todo este discurso agregando a ele elementos de sua opinião, ou conclusões pessoais. Paulo fala sobre o que lhe foi apresentado em outro momento. Não se vangloria de estabelecer uma nova via de pensamento. Este é um discurso que denota, na verdade, submissão. O fato de ser possível argumentar contra pensadores hostis e orgulhosos adotando essa postura evidencia que a solidez daquelas palavras não está em quem as profere, mas em quem as estabelece. A argumentação de Paulo, aqui, se diferencia da argumentação de Jesus, ainda adolescente, diante dos doutores da Lei que estavam nas sinagogas, com quem Ele gastava horas debatendo.

Agora sim, chegamos ao que Paulo viu. Imagine-se se dedicando ao labor de fabricar tendas enquanto viaja incansavelmente ao longo de todo um país proclamando sobre o um Salvador suficiente, aceitando as mais diversas reações a esta pregação. Imagine uma população que lhe acolhe e logo depois de te ouvir vira contra você e até contra as pessoas que porventura tenham te ajudado na caminhada. Alguém que tenha oferecido um teto para dormir (como Jasom), ou alguém que só resolveu te dar ouvidos. Imagine que a necessidade inquestionável de que todos ouçam e aprendam sobre Aquele que é manso e humilde de coração não alivia o desejo de muitos em intentar contra a sua vida. De cidade em cidade, fica um pouco de amargura por parte daqueles que rejeitam a Palavra e interpretam, erroneamente, que você é o detentor e provedor daquele discurso, por mais que você deixe claro que o Salvador não é você, mas um Deus onipotente que exige arrependimento e submissão. Por mais que você saiba que seu coração é tão corrompido quando o daquelas pessoas, será impossível que elas não o odeiem, porque pela sua atitude, muitas pessoas agora conhecem que Deus é esse que ofereceu o filho em Sacrifício, mas que venceu a morte, atendeu a todas as demandas de justiça e agora esses ouvintes são indesculpáveis se não de rendem a Ele.

Ao fim de uma saga para se manter vivo, você agora passa por uma cidade intelectualizada, berço da cultura ocidental de sua época. Bibliotecas são comuns como as casas. No antro das discussões mais relevantes, você passa por uma infinidade de imagens dedicadas a divindades que cabem no intelecto humano, fruto de suas próprias interpretações, esculpidas e colocadas sobre altares, ao que você vê um altar vazio e a conhecida inscrição: “Ao Deus desconhecido”. Cidadãos atenienses, é precisamente sobre esse Deus que vocês precisam ouvir.

Chegamos, agora, ao texto objeto de nosso estudo. E a descrição, meus irmãos, é a mesma que Ele utilizou ao longo de toda a sua viagem. Não existe necessidade de se adequar às preferências daquele povo. Ele não é servido por mãos humanas, como se precisasse de algo. Aquelas estátuas não fariam a menor diferença. Seria impossível chegar a elogiar todos os atributos de Deus, por mais que aquele altar vazio significasse que os atenienses admitiam esta impossibilidade e, mais tarde, homenageassem outra divindade, por uma nova virtude percebida, tornando a construir um novo altar vazio.

Paulo, então, utiliza a mesma descrição para resolver problemas filosóficos emblemáticos da comunidade científica local: A existência, a vida e o movimento. Sem ir muito longe, pode-se conhecer o pensamento de Aristóteles quanto ao movimento: “Tudo que se move, é movido por algo”. Ele bebe da fonte de Heráclito de Éfeso, “o obscuro”, que acredita que tudo mudo, exceto a realidade da própria mudança, que seria permanente. Quanto à vida e a existência, talvez a alegoria mais conhecida acerca deste tema seja uma posterior ao discurso Paulino. Na obra, Hamlet, de Shakespeare, quem nunca ouviu a fala: “Ser ou não ser? Eis a questão”. Estes embargos não serão encerrados, como discussão, neste texto simplório, mas servem para atestar a frequente importância que os pensadores deram a estas questões. Poderia se falar ainda sobre métodos de pensamento, o que significaria questionar até as perguntas que se fazem antes de começar a elaborar respostas. Mas, vejam, portanto, o quanto a filosofia sempre se debruçou sobre as questões de natureza metafísica, como estes três aspectos. Aristóteles era um destes que tateava. Assumiu que falar sobre metafísica era falar sobre teologia. Mas, irmãos, isso não basta. Vimos que Epimênides se reportava, de maneira revolucionária, a uma teologia monoteísta. Mas ainda lhe faltava algo. Aristóteles sabia que falar sobre teologia era imprescindível, porque reconhecia os limites da razão, mas ainda não sabia todo o necessário.

Toda essa angústia de pensamento e a demanda absoluta por respostas, pode ser encerrada nas palavras sábias que Paulo aplicou ao contexto perfeito. Isso só aconteceu quando Ele submeteu todo o pensamento e toda a avidez por nexo ao pensamento Cristocêntrico. O temor do Senhor foi o princípio da sua sabedoria. Paulo não foi somente persuasivo. Ele não se aproveitou de uma vulnerabilidade de uma comunidade para fazer dela sua escrava intelectual. Ele encontrou excelente oportunidade e tinha excelente conteúdo para reconhecer o esforço da academia, a tentativa resoluta de, em elucubrações, findar todas as dúvidas. Mas Ele trouxe à tona o Provedor de todo o conhecimento. Não como um deísta (aliás, estes também estavam errados em exaltar a Deus apenas como criador e não o sustentador de toda a criação), mas como um submisso a um Deus completamente Soberano. Que não é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse. Não mora onde os homens querem que Ele more. Não age só onde querem que Ele aja. Aquele que tudo criou e tudo segue governando. Quem criou o tempo e determinou seus segmentos. Aquele que, assustadoramente, não está longe de nós. E nos criou para que de fato nós o buscássemos, se tateando, porventura, nós o pudéssemos encontrar. Tateando. Só encontrando, se Ele próprio se apresenta a nós. Paulo sabia que não o havia encontrado. Antes, Ele encontrou a Paulo, e agora sua existência perderia o significado se não fosse para que Ele fosse mais conhecido. Por fim, Paulo reitera que falava para os atenienses declaradamente, quando cita Cleanto e Arato, resolvendo, por fim, três grandes enigmas do pensamento grego.

Nele somos, existimos e nos movemos, e dEle também somos geração, como haviam dito tais poetas.

Todo o pensamento racional e existencial, só encontra descanso quando posto aos pés da Cruz. Sejamos edificados.

 

Lucas Silveira Sousa

 

 

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