RELIGIÃO E POLÍTICA: VERDADES E MITOS

Inobstante o velho e inverídico brocardo “política e religião não deve se discutir nem tampouco se misturar” seja incutido acriticamente no pensamento de muitos cristãos, é tempo de romper com esse ditado popular e falar exatamente sobre esses temas, os quais são de suma importância para a vida da igreja e da sociedade em geral.

Afinal, o que é religião senão o homem se religando ao transcendente, ao Criador, ao Deus Soberano sobre todas as coisas que molda nossos princípios, prioridades e práticas? E o que é política, senão, a grosso modo, uma atividade orientada ideologicamente para a tomada de decisões de um grupo para alcançar determinados objetivos, vale dizer, algo que está intrinsecamente ligado ao nosso dia a dia?

Quando se fala sobre o papel do cristão na política, parece que o escândalo é ainda maior. Afinal, “lugar de crente é na igreja, e não no meio do jogo sujo da corrupção que impera no meio político”. Ora, em que pese esta frase tenha algo de verdadeiro, é necessário apontarmos alguns equívocos. Senão vejamos.

Primeiramente: lugar de crente é na igreja, sim(!), mas também nas outras áreas da vida – e isso inclui a Política. Neste sentido, a plenitude do evangelho corresponde a servir a Cristo em todos os âmbitos e, portanto, não deve ser relegada, meramente, as esferas eclesiásticas. Em segundo lugar, a corrupção impera na política, sim(!), entretanto, a missão do cristão também é “brilhar vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem ao Pai que está nos céus” (Mt 5:16), isto é, a vida e conduta do crente em Jesus Cristo deve revelar um caráter justo e ético que aponta para a santidade, justiça e incorruptibilidade de Deus, impactando positivamente o ambiente no qual ele esteja inserido, seja no trabalho, na família ou na política. Neste sentido, o papel do cristão na política também é ser um agente de disrupção com o atual sistema vigente de corrupção e injustiça instaurado na política.

Quero falar sobre um outro mito. Desta feita, sobre aqueles que dizem: – “Ok, mas será muito difícil alguns poucos cristãos bem-intencionados dentro da política conseguirem alguma boa e relevante transformação para a sociedade. É mais fácil eles também se corromperem”. Ora, inequivocamente, o poder e as más companhias podem revelar o caráter corrompido de algumas pessoas. Contudo, a política, di per si, não é corrupta, embora tenha a faculdade de revelar os corrompidos. Ademais, aquele que estiver realmente bem-intencionado e, sobretudo, vocacionado por Deus para adentrar e atuar na esfera política, pode sim fazer grandes mudanças para o bem da sociedade.

A história da humanidade aponta para diversos exemplos de homens de Deus que operaram maravilhas na esfera pública. Eu poderia citar muitos casos, mas me resumirei a apenas alguns:

Abraham Kuyper – Estadista, 1º Ministro dos Países Baixos, teólogo e jornalista (1837 – 1920): fundou a universidade Livre de Amsterdã; foi um grande agente na luta pelos direitos trabalhistas no seu país; conseguiu aprovar leis que protegiam os direitos dos trabalhadores que sofriam opressão à época;

William Wilberforce – Político e parlamentar no Reino Unido (Séc. XVIII): Numa época onde a Inglaterra detinha o monopólio do comercio de escravos negros, este cristão se levantou e ingressou na vida política se tornando um parlamentar. Ele ajudou a fundar escolas cristãs para os pobres, reformar prisões e combater a pornografia. Entretanto, seu legado principal foi em prol do seu compromisso incansável pela abolição da escravidão e do comércio de escravos. Na contramão dos interesses dos poderosos daquela época, conseguiu aprovar a Lei de Emancipação, que funcionou como um efeito cascata, pois a maioria dos países ocidentais também começaram a abolir a escravidão definitivamente de seus ordenamentos jurídicos após este fato.

Martin Luther King Jr. – Advogado, pastor e ativista político (1929 – 1968): chegou a receber o Nobel da Paz (1964); o maior ativista na luta contra a segregação racial nos EUA e a favor de direitos civis iguais para brancos e negros. Foi e sempre será um símbolo de combate à discriminação racial do mundo.

Avalie se estes grandes homens do passado acreditassem que eram “alguns poucos cristãos bem-intencionados dentro da política, mas incapazes de conseguir realizar alguma coisa boa e relevante para a transformação  da sociedade”. Certamente o mundo seria bem pior!

A nossa geração de cristãos tem um papel fundamental na sociedade hodierna. Cada vez mais, os jovens estão abrindo a mente para compreender que a vida cristã não está alheia as coisas temporais que acontecem ao nosso redor. Pelo contrário; temos um mister relevante a ser desempenhado. Assim sendo, aqueles vocacionados para a vida pública precisam se levantar como uma voz que clama no deserto, com atitudes positivas, tais como, denunciar os pecados da nação e lutar contra à corrupção; bem como com atitudes negativas, tais como, não ter uma visão reducionista da cosmovisão cristã dentro da política, ou seja, não resumir as pautas da política cristã às questões do aborto e da ideologia de gênero e não ter uma postura meramente corporativa, isto é, que busca apenas os interesses da igreja em detrimento do bem comum.

Portanto, a atuação política dos cristãos deve se materializar numa participação efetiva nas discussões e debates sobre os temas mais prementes da sociedade, seja através da pressão junto aos seus governantes eleitos no tocante as pautas que eles votam ou decidem, seja emitindo suas opiniões em audiências públicas, rodas de conversas entre amigos, debates acadêmicos e até mesmo se colocando à disposição para concorrer a algum cargo eletivo. Precisamos lembrar da máxima do filósofo grego Platão: “O castigo dos bons que não fazem política é serem governados pelos maus que a fazem”.

Concluo este breve texto com um pequeno poema que fiz acerca destas coisas:

Compartilhar princípios e valores
Com a nossa geração
Eis o grande objetivo
Que move o nosso coração.

Quiçá um dia
Possamos contemplar
Um bom lugar para viver
E, com segurança, dele desfrutar.

A plena paz é utopia
Contudo, podemos fazer nossa parte
Se labutarmos dia após dia
Em prol da nossa sociedade.


Rafael Durand Couto
Membro da Igreja Congregacional Zona Sul de Campina Grande – PB. Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor Jurídico da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE. Secretário-geral do Instituto Paraibano de Direito do Trabalho.

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